Jornal Folha da Vila entrevista:
Maciel de Aguiar
‘’COM MUSEUS FECHADOS, NÃO PODEMOS COMEMORAR O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA!’’
O único museu no Brasil que retrata as lutas dos quilombolas contra o sistema escravocrata – que foram esquecidos pela historiografia oficial -, está fechado há 8 anos no Porto de São Mateus, no Norte do Estado do Espírito Santo.
Hoje, 20 de novembro, dia da Consciência Negra, o escritor Maciel de Aguiar, autor da série História dos Quilombolas, composta de 40 livros, com base na oralidade, pioneiro na pesquisa para resgatar vários heróis negros, que teve início na década de 1960, além de curador, mantenedor e fundador de dois museus, acusa o governo do Estado do Espírito Santo de não pagar três editais – 150 mil, 250 mil e 295 mil, total de 625 mil – e disse: ‘’Não podemos comemorar o dia da Consciência Negra quando temos museus fechados por falta de pagamento de editais!’’
O escritor, recentemente, também procurou o senador Fabiano Contarato PT, ‘’mas a sua assessoria tratou o assunto do fechamento do museu e da história dos heróis quilombolas com desinteresse’’.
Folha da Vila – O que aconteceu para o museu ficar 8 anos fechado?
O África Brasil Museu Intercontinental foi construído e instalado com recursos próprios, atendia por ano cerca de 30 mil estudantes das escolas públicas, com entrada gratuita, tínhamos dez funcionários e um custo mensal de 50 mil, que era proveniente do meu bolso.
Folha da Vila – O museu atendia os estudantes das escolas públicas e o governo do Estado não pagou os editais?
No primeiro mandato de Renato Casagrande-PSB, ganhamos um edital na SECULT e, com muita dificuldade, conseguimos receber. Mas, nos anos seguintes, ganhamos três editais, atendemos cerca de 100 mil alunos das escolas públicas estaduais e de vários municípios capixabas, conforme o estabelecido nos editais, mas o governo não pagou. A gestão seguinte de Paulo Hartung anulou os empenhos e ingressamos com uma ação judicial de cobrança, que ainda não foi julgada.
Folha da Vila – Você também construiu e manteve o Museu Imperial de São Mateus, que está fechado. Qual o motivo?
Construir, instalar e manter dois museus, sobretudo com recursos próprios, para a visitação gratuita das escolas da rede pública – principalmente com um acervo da importância histórica e cultural do África Brasil, que é o único no gênero no país – é uma tarefa monumental. E, além disso, criar e manter o Museu Imperial de São Mateus, com um acervo sobre o I e II Reinados, também com recursos próprios e entrada gratuita, se converteu em outro enorme desafio pois é preciso disponibilizar dinheiro do próprio bolso, renunciar a muitas coisas, além de ter coragem e muita abnegação.
Folha da Vila – E o governo federal, também não contribuiu?
Conversei pessoalmente com Lula e, depois, com Dilma, quando ambos eram presidentes da República, mas resolvemos não recorrer à Lei Rouanet por uma questão pragmática.
Folha da Vila – Você nunca usou a Lei Rouanet, por qual motivo?
Não encontramos uma empresa privada que tivesse interesse em alinhar o seu nome, imagem e marca a um museu que retratava as lutas dos heróis negros contra o sistema escravocrata e, principalmente, pelo fato esses negros serem esquecidos pela historiografia oficial, e que continuam negligenciados.
Folha da Vila – E qual a solução?
Seria encontrarmos parceiros que entendessem a enorme contribuição do povo negro para a formação da sociedade nacional e da África para o Brasil. Assim, a Lei Rouanet poderia ser utilizada, mas sem esse nível de entendimento por parte das empresas privadas não adianta aprovar um projeto na Lei Rouanet se não vamos conseguir fazer a capitação dos recursos. Infelizmente, ainda falta visão empresarial que entenda a extraordinária contribuição do povo negro para com a História do Brasil, e o governo Federal deveria disponibilizar mais recursos do Fundo Nacional de Cultura para projetos que não estão nos grandes centros urbanos. A distribuição de recursos financeiros via renúncia fiscal em nosso caso não resolve o problema. Pois um museu que não contempla os interesses das elites empresariais não consegue viabilizar os recursos via Lei Rouanet.
Folha da Vila – Você conversou com vários ministros da Cultura. O que eles disseram?
Participei de audiência com Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Holanda e Marta Suplicy, e os resultados não passaram de boas intenções.
Folha da Vila – A imprensa noticiou que o então ministro Aloízio Mercadante, na época da Educação, prometeu ajudar o ÁfricaBrasil, mas sugeriu que o museu fosse transferido para Salvador ou Rio de Janeiro, é verdade?
Sim! E, nessa audiência, estávamos acompanhados da então deputada federal Rose de Freitas. Nós não discordamos da visão nacional e estratégica do ex-ministro Aloízio Mercadante, que, por coincidência, nasceu em Santos, São Paulo, em um 13 de maio, dia da Abolição da Escravidão.
Folha da Vila – Por qual motivo você não aceitou a proposta do ex-ministro?
O Porto de São Mateus foi um dos maiores centros de comércio de africanos para a escravidão do interior do país, inclusive onde o último navio negreiro vindo da África para o Brasil, a escuna Norte-americana Marie Smith, apreendida com 350 angolanos, marcou, definitivamente, o fim do tráfico de africanos, e o município ficou conhecido pelas fazendas de reprodução e as memoráveis lutas dos quilombolas. Entendemos o propósito do então ministro Aloízio Mercadante em dar mais visibilidade ao museu, e ele se sensibilizou, mas também compreendeu a importância de mantermos no local um museu dessa magnitude para a História do Brasil.
Folha da Vila – E o museu ficou no Porto de São Mateus?
É óbvio que se o ÁfricaBrasil Museu Intercontinental fosse instalado em Salvador ou Rio de Janeiro teria uma enorme repercussão e receberia milhares de visitantes por mês. Não obstante isso, decidimos mantê-lo no local onde ocorreram os fatos. Só que não contávamos com o calote do governo do Estado!
Folha da Vila – Você é com certeza, o escritor brasileiro mais importante na temática quilombola, além de pioneiro nas pesquisas para escrever 40 livros com base na oralidade sobre muitos heróis negros que estavam esquecidos. Como você avalia esse trabalho inédito no país?
Sou, também, o escritor mais plagiado e copiado, pois alguns livros da série História dos Quilombolas, sobretudo Zacimba Gaba, Benedito Meia-Légua, Constância de Angola, dentre outros, são copiados, impressos ou divulgados na internet sem a citação da fonte. Não me importo que utilizem os meus livros, pois as histórias não me pertencem, mas os textos são meus. E esses copiadores e plagiadores deveriam reescrever essas histórias com os seus textos e não usar os meus textos. E, depois, fazer referência à fonte deveria ser uma obrigação para não incorrer em desonestidade intelectual.
Folha da Vila – Você disse que, recentemente, procurou o senador Fabiano Contarato. Qual foi a recepção?
Foi boa, inclusive lhe dei de presente o livro Roberto Carlos – as canções que você fez pra mim, de minha autoria. Ele fez foto comigo, postou em suas redes sociais e prometeu visitar os museus. Mas, infelizmente, desapareceu e não voltou a demonstrar interesse!
Folha da Vila – O que houve?
Não sei, pois não mais nos falamos!Possivelmente a sua assessoria não achou relevante um senador da República apoiar um museu com um acervo das lutas dos heróis quilombolas. Mas o ÁfricaBrasil é o único museu no país que retrata a resistência dos negros contra o sistema escravocrata e presta uma grande contribuição para entendermos melhor a sociedade nacional e, como tal, deveria merecer mais atenção de um senador com uma brilhante atuação no Senado Federal.
Folha da Vila – Então, Aloízio Mercadante estava certo em sugerir a mudança do ÁfricaBrasil Museu Intercontinental para Salvador ou Rio de Janeiro?
Sim! O ex-ministro e atual presidente do BNDES, estava certo pois ele pensava no país e na visibilidade que o museu poderia ter. O problema é o governo do Espírito Santo que não pensa na história do povo capixaba e não valoriza um acervo com a importância do África Brasil Museu Intercontinental.