Uma operação da Polícia Federal (PF) foi feita nesta terça-feira (26), em seis estados, incluindo o Espírito Santo, e o Distrito Federal contra um grupo, chefiado em parte por chineses, que usaram bancos digitais para esconder R$ 6 bilhões.
Segundo a investigação, a organização criminosa operava um “complexo sistema bancário paralelo e ilegal” de lavagem de dinheiro e evasão de divisas para pelo menos 15 países.
Foi cumprido mandado de busca e apreensão em Vila Velha, mas a Polícia Federal não divulgou mais detalhes sobre a parte da operação ocorrida no Estado.
“Investigações apontam que os suspeitos, bem como pessoas físicas e jurídicas que com eles transacionaram, movimentaram o valor de R$ 120 bilhões nos últimos anos”, disse a PF, em nota.
O esquema teria a participação de diversas pessoas, tanto brasileiros como estrangeiros em variadas funções e atividades. Neste grupo estão policiais militares e civis, gerentes de bancos e contadores.
“O objetivo era atender a um fluxo constante de dinheiro para a China, mas atendia a qualquer pessoa que quisesse ocultar capitais, lavar dinheiro ou enviar ou receber dinheiro do exterior, havendo indícios de envolvimento de grupos criminosos voltados ao tráfico de drogas, de armas, contrabando, descaminho e outros crimes”, explicou a PF.
Entre os meios utilizados pela organização criminosa estão tanto instrumentos criminais clássicos como uso de empresas de fachada, terceiros como laranjas, falsificação de documentos, pulverização de operações bancárias e operações de câmbio fraudulentos quanto meios mais modernos, como fintechs, contas bolsões e transposição de recursos para criptoativos.
Segundo a PF, esses novos modelos e instrumentos de lavagem e evasão permitiram à organização saltar de milhões de reais para valores na casa de bilhões de reais. Além das prisões e das buscas, a Justiça Federal determinou ainda o bloqueio de bens e valores em cifra superior R$ 10 bilhões, em mais de 214 pessoas jurídicas.
“Criminosos constituem empresas de fachada (laranjas) e usam seus dados para abertura de contas bancárias, disponibilizando senhas para que os doleiros passem a ter livre movimentação dos recursos”, informou a PF.
O especialista em Engenharia Econômica e fundador da Pedra Azul Investimentos, Lélio Monteiro, explicou que as criptomoedas têm certa dificuldade da rastreabilidade e que podem facilitar a ocultação. Ele destacou que para a lavagem de dinheiro, os criminosos usam empresas criadas somente para isso e contas bancárias ligadas a essas empresas para movimentar os valores ilegais.
Dono de fintech preso
Um dos presos na operação da Polícia Federal contra crimes financeiros que movimentaram R$ 6 bilhões é dono de um banco digital – ele também é policial civil de São Paulo – que havia sido acusado de corrupção pelo delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) executado no Aeroporto Internacional de São Paulo.
Além de delatar integrantes da facção criminosa PCC por lavagem de dinheiro em 2023, Vinicius Gritzbach tinha delatado policiais por suspeita corrupção oito dias antes de ser morto a tiros no aeroporto no dia 8 de novembro.
A operação de ontem foi iniciada em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, onde em agosto, dois bancos digitais ilegais pelo Banco Central foram alvo de uma operação da Polícia Federal. Essa operação foi voltada a desarticular uma organização criminosa suspeita de crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. As contas dessas fintechs movimentaram R$ 7,5 bilhões.
Nessa operação de agosto, a Polícia Federal disse que a organização criminosa, por meio das fintechs, oferecia contas clandestinas que permitiam transações financeiras dentro do sistema bancário oficial, de forma oculta, “as quais foram utilizadas por facções criminosas, empresas com dívidas trabalhistas, tributárias, entre outros fins ilícitos”.
Procurada pela reportagem, a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) informou que o banco digital que teve o dono preso ontem “é autorizado pelo Banco Central para operar uma instituição de pagamento”, e que precisaria dos nomes das outras instituições bancárias envolvidas para passar mais detalhes. O Banco Central informou que não comentaria sobre o assunto.
ENTENDA
A operação
A Polícia Federal deflagrou a operação Tai-Pan, na manhã desta terça-feira (26), contra suspeitos de integrar uma organização criminosa investigada por crimes contra o sistema financeiro, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. O grupo teria movimentado R$ 6 bilhões nos últimos cinco anos. Um dos mandatos de busca e apreensão foi em Vila Velha.
O nome da operação, Tai-Pan, significa “chefe supremo”, e é uma referência a uma obra literária, ambientada no século XIX, sobre um empresário responsável pelo transporte e comercialização de mercadorias chinesas para o mundo.
Estima-se prejuízo aos cofres públicos de aproximadamente R$ 2 bilhões e evasão de divisas em montantes que superam a casa dos R$ 5 bilhões.
Prisões e apreensões
Cerca de 200 policiais federais cumpriram 16 mandados de prisão preventiva e outros 41 de busca e apreensão expedidos pela Justiça. Além do Espírito Santo, a operação também ocorre em cidades de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Ceará e no Distrito Federal. Também estão sendo cumpridas duas ordens de prisão fora do Brasil, mas a corporação não informou em quais países.
Os investigados vão responder pelos crimes de organização criminosa, ocultação de capitais e evasão de divisas, com penas que podem chegar a 35 anos de prisão.
15 países
De acordo com a Polícia Federal, as investigações começaram em 2022 com a descoberta de um sistema bancário paralelo e ilegal operado pelos suspeitos, que movimentavam bilhões no Brasil, Estados Unidos, Canadá, Panamá, Argentina, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Peru, Holanda, Inglaterra, Itália, Turquia, Dubai e especialmente Hong Kong e China, para onde se destinava a maior parte dos recursos de origem ilícita.
Durante as investigações foi possível constatar milhares de operações financeiras efetivadas por pessoas físicas e jurídicas, direcionadas a remessas não autorizadas de capitais para o exterior, em especial para China, Estados Unidos, Canadá, Colômbia e Paraguai.
Esquema
Os doleiros clandestinos investigados atuam em três áreas de prestação de serviços ilícitos: venda de moeda estrangeira em espécie, sem autorização do Banco Central; na disponibilização de recursos no exterior em moeda estrangeira; e na troca de valores em moeda nacional.
Uma importante origem dos recursos ilícitos utilizadas pelos doleiros é o comércio popular de produtos contrabandeados ou frutos de descaminho, principalmente em São Paulo, em decorrência de fartas transações em espécie. Criminosos constituem empresas de fachada (“laranjas”) e usam seus dados para abertura de contas bancárias, disponibilizando senhas para que os doleiros passem a ter livre movimentação dos recursos.
Estes acabam funcionando como instituições financeiras, que também atendem empresas em atividades lícitas, mesclando valores ilícitos dentro de suas movimentações financeiras, disponibilizando para seus clientes valores em espécie ou criptoativos no exterior.