No primeiro dia do ano letivo de 1966, procurei uma “carteira” na última fila da sala de aulas do Colégio Estadual ‘Ceciliano Abel de Almeida’ — na secular, aristocrática e ainda escravocrata cidade de São Mateus, no Norte capixaba —, e me sentei, quando entrou um professor temido pelo rigor no ensino de português.
Naquela primeira chamada, cada aluno se levantava para responder “presente” e, quando ele perguntava o que gostaria de ser na vida, ao responder que queria ser médico, advogado, engenheiro, comerciante ou fazendeiro era quase aplaudido, enquanto o professor assinalava um “P” com uma caneta azul no “diário de classe”.
Ao chegar a minha vez, após dizer o meu nome, respondi que queria ser escritor, mas ninguém aplaudiu e houve quase um “silêncio condenatório”.
Surpreso, ele ficou batendo a caneta azul na mesa por uma eternidade de alguns segundos, me olhou no fundo da sala com instigante curiosidade e, depois, com uma caneta vermelha, sublinhou o meu nome no “diário” diante dos olhares indiferentes e ou curiosos dos demais alunos.
Como ele havia publicado um livro — “Canções da Primavera” — o seu instigante olhar era justificável, afinal, naqueles primeiros anos do regime militar, um aluno com pretensões para ser escritor — que, para representar condignamente a plenitude de sua vocação, necessariamente teria que ser “rebelde, contestador e insubordinado” —, aquela resposta representava um forte indício de que cometeria “crimes de consciência, de insubordinação e de anseios de liberdade”. Portanto, não era mesmo para ser aplaudido!
Ao terminar a “chamada”, ele disse a frase característica que o notabilizou, e passou os quatro anos do colegial repetindo-a para a aflição dos alunos que não queriam ser escritor — enquanto achava que ele falava, especialmente, para quem se sentava no último lugar da classe e não era aplaudido — quando repetiu milhares de vezes:
“— Conjugar o verbo…!”, e informava tempo, pessoa, número, modo, aspecto e voz.
E, através daquele seu “insistente ensinamento”, aprendi a arte de escrever e entender o “verbo” em todos os tempos, e, principalmente, a resistir aos “tempos estranhos” — ele não foi preso pela Ditadura Militar, mas foi perseguido e injustiçado — quando ficou conhecido como “Professor Verbolino”.
Hoje, com 144 livros publicados e indicado ao Prêmio Nobel de Literatura — que disputarei em outubro de 2025, na Suécia —, o reencontrei aos 96 anos, ainda lúcido, coerente, resistente e o agradeci pelos verbos que aprendi a conjugar em todos os tempos presente, passado e futuro.
Avelino Olirio de Souza não me ensinou uma profissão para ser rico, “útil à velha sociedade ainda escravocrata” e ou para fazer parte da elite dirigente de São Mateus, mas aprendi a arte de escrever, interpretar e praticar as mais belas e necessárias lições de vida para ser um escritor.
Ele continua sendo o meu professor e sou o mesmo aluno do último lugar da classe, mas sem perder a rebeldia, a contestação, a insubordinação e ou a ternura, jamais!
Obrigado, meu mestre!
Maciel de Aguiar
@escritormacieldeaguiar
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