Há meio século participo da festa de São Benedito, dia 27/12, na quase quinhentista cidade de São Mateus, para agradecer o ano que passou e nos proporcionou inúmeras lutas e realizações, além de participar do Baile de Congos — Ticumbi —, em Conceição da Barra, de 30/12 a 1/1, para que possamos merecer um ano novo com saúde, destemor, resistência e coerência conforme os nossos sonhos, desejos e utopias.
Especialmente em 2025, espero que o Sítio Histórico Porto de São Mateus possa continuar sobrevivendo à incúria, ao preconceito e ao descaso de muitos, e, sobretudo, ao desrespeito, à desvalorização e ao desconhecimento de sua secular importância.
Caso estivesse localizado em Recife, São Paulo, Salvador ou no Rio de Janeiro, o Sítio Histórico Porto de São Mateus — que é mais antigo do que essas importantes cidades do Brasil — seria valorizado, reconhecido e receberia 1 milhão de turistas, estudantes, professores, pesquisadores e visitantes ao ano.
Mas, como está situado no norte do Estado do Espírito Santo, o Porto de São Mateus continua sendo “condenado” pelos seus quase 300 anos de escravidão e, sobretudo, punido pelo “crime” de ser o maior entreposto de compra e venda de africanos para a escravidão no interior do país, além da apreensão do último navio negreiro vindo da África para o Brasil — a escuna norte-americana Marie Smith — com 350 angolanos, em 1856, que colocou um ponto final no comércio marítimo de compra e venda de negros comandado pelos poderosos senhores das famílias coroadas.
Restaurado e revitalizado pela Secretaria de Estado da Cultura, no governo Vitor Buaiz — com recursos financeiros do Ministério da Cultura/MinC e em parceria com o Município de São Mateus quando Rui Baromeu era prefeito —, o belo conjunto arquitetônico do Porto de São Mateus, há mais de 20 anos, vem sendo retaliado, abandonado e negligenciado pelos dois últimos governos do Estado do Espírito Santo.
Mas, indiferente ao descaso, à incúria e ao preconceito, no Porto de São Mateus existe — embora atualmente fechado — o único museu privado do Brasil, mantido com recursos próprios e entrada gratuita, que conta a história dos heróis quilombolas que resistiram ao sistema escravocrata e deixaram um extraordinário testemunho de lutas pela liberdade.
Ao Porto de São Mateus dediquei 50 anos de minha vida, quando, encantado por sua história, pesquisei e escrevi 40 livros — de 1965 a 1995 — que fazem parte da série História dos Quilombolas, com base na oralidade, resgatando a memória de dezenas de heróis negros “esquecidos” pela historiografia oficial, realizado um trabalho inédito e pioneiro na literatura brasileira que, por certo, ajudou a levar o meu nome à indicação ao Prêmio Nobel de Literatura.
E, por ser um bem “tombado”, o extraordinário casario do Porto de São Mateus deveria ser melhor fiscalizado, defendido e protegido pelo Ministério Público Estadual/MPE como um patrimônio do povo capixaba, além de respeitado, preservado e reconhecido pelo Ministério Público Federal/MPF como um conjunto histórico indispensável ao melhor entendimento dessa nossa bela e extraordinária aventura chamada civilização brasileira.
Salve, São Benedito! O santo dos negros, dos pobres, dos oprimidos, dos cozinheiros e dos nutricionistas, para que o Sítio Histórico Porto de São Mateus e o ÁfricaBrasil Museu Intercontinental voltem a servir ao povo!
Saúde e paz!
A luta continua!
Maciel de Aguiar
@escritormacieldeaguiar
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As opiniões contidas no texto são um pensamento do autor.