Há 50 anos acompanho o cortejo que leva a imagem de São Beneditinho — pelas águas que serpenteiam as barrancas do rio que o gentio chamou de Kiri-Kerê —, da localidade de Barreiras para participar do Ticumbi, dia 1/1, em Conceição da Barra, como a mais representativa festa popular em louvor à liberdade, realizada desde os séculos da escravidão.
São Beneditinho é uma pequena imagem de madeira, com uns 20 centímetros, que o herói quilombola Benedito Meia-Légua carregava em uma capanga até ser emboscado e morto pela “Guerrilha de São Matheus” — criada pelo governo da Província do Espírito Santo para a “apreensão de escravos fugidos, desertores e criminosos” —, e que assassinou vários quilombolas.
Quando Benedito Meia-Légua dormia dentro de uma árvore nas matas do Angelim, nas proximidades do Quilombo do Morro — atual povoado de Sant’Ana —, foi descoberto pelo Capitão-do-Mato Zé Diabo, e fecharam a entrada e colocaram fogo na árvore e ele foi queimado vivo, mas a pequena imagem que o acompanhava não se queimou.
Até hoje o povo reverencia São Beneditinho com os congos levando-o para a festa do Ticumbi — uma guerra simulada entre as nações africanas de Congo e Bamba — com seus reis, violeiro, secretários, vassalos, vestimentas tradicionais e pandeiros artesanais.
São Beneditinho e Benedito Meia-Légua, além de outros heróis quilombolas que enfrentaram o sistema escravocrata e foram “esquecidos” pela historiografia oficial, fazem parte dos 40 livros da série História dos Quilombolas, que tive o privilégio de ser o primeiro a pesquisar e escrever, de 1965 a 1995, com base na oralidade, como um trabalho inédito e pioneiro na literatura brasileira.
Maciel de Aguiar
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