O escritor alagoano Graciliano Ramos em seu romance “Vidas Secas”, narra a saga de Fabiano, sinhá Vitória, seus dois filhos e da cadela Baleia em meio à aridez e à hostilidade do sertão. Por terra rachada, caminham no limiar da morte. Em meio a abrolhos e cardos, se arrastam exauridos pelo sol causticante; estômagos vazios, pernas bambas, ânimos enfraquecidos. Mas, de repente, as coisas parecem mudar. Ainda no início desta obra, Fabiano, espantado, percebe uma sombra. Uma simples sombra que acariciava o dorso de um monte. Era apenas uma nuvem.
Não, não era apenas uma nuvem, era mais, era esperança condensada. O tempo passava e a nuvem crescia como uma colcha de retalhos, cujos trapos unidos aquecem o corpo e a memória, aquela nuvem ia sendo tecida no firmamento até cobrir todo o monte, aquecendo a alma daqueles caminhantes. Nas palavras do autor, “uma ressurreição”!
Curioso que a chuva, propriamente dita, só cairia capítulos a frente.
Contudo, diante da possibilidade da precipitação, a alma daqueles desgraçados é irrigada de esperança. A intuição meteorológica se anuncia como uma verdadeira expectativa escatológica, que faz com que frutos nasçam no coração, mesmo antes do cheiro de terra molhada exalar do chão. Semelhante experiência teve Ana, personagem bíblica que caminhava em terreno estéril. Esta, outrora angustiada e contrita, após orar, teve seu semblante transformado e seu apetite restaurado, antes mesmo de ver ventre fecundado.
Frutos precoces?
Não, frutos maduros, enraizados no terreno da fé. Não a fé alienante pregada por alguns que, supostamente, ensinam a andar por sobre as nuvens, triunfando impávidos sobre todas as circunstâncias. Não a fé que desconsidera o chão rachado, os abrolhos, os cardos, a fome, a pobreza, a violência e a brutal desigualdade.
Mas, afinal, que fé é essa? É a desprovida fé que reconhece a graça manifesta em forma de nuvem, oferecendo abrigo àqueles que peregrinavam pelo mortífero deserto do Sinai. A fé que reconhece a graça manifesta em forma de nuvem, prenunciando vida àqueles que vagueiam pela caatinga do nordeste. Sim, uma fé enraizada naquele que subiu por entre as nuvens, mas que antes se fez presença junto aqueles que iam cabisbaixos pelo caminho pedregoso até Emaús, anunciando a verdadeira inssurreição!
Sim, uma fé que descortina a graça para àquele que caminha sedento e faminto, àquele que nada tem e que tão simplesmente nú, vem a este mundo cruel.
Então, sigamos caminhando firmemente, com os pés no chão e com os olhos na nuvem, a nuvem de esperança!
Feliz Páscoa, a Páscoa de Graciliano Ramos.
Weverton Santiago
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